segunda-feira, 24 de outubro de 2011

22 de outubro - um encontro inexplicavel

Carta aos Boiúnas

Eu sempre acreditei que o teatro transforma as pessoas para melhor. Mas este é um momento de crise nas minhas crenças, um momento que já dura mais de um ano.
Amo fazer teatro e as pessoas que fazem teatro, amo mais ainda as pessoas que fazem teatro perto de mim, mas será que esse amor que sinto não é mais uma coisa desperdiçada?
Acho que me tornei uma pessoa chata e intolerante, certinha demais para os padrões atuais da nossa nefasta civilização. Não bebo, não fumo, não me drogo, abomino futebol, atrasos, novelas, faltas, músicas gospel, carro de som e tudo que não respeita a individualidade dos outros. Não me enquadro.
Dediquei a maior parte da minha vida em me transformar em uma pessoa melhor, mas agora tenho muitas dúvidas se encontrei o caminho para isso. Eu pensava que sabia desse caminho.
Meus pais eram pessoas muito simples, analfabetos, vindos da zona rural para trabalhar na cidade nas funções mais desvalorizadas, ajudante geral e doméstica. Apesar da minha aptidão para a arte desde criança, eu segui o caminho deles por muito tempo. Fui catador de esterco, vendedor de talão para zona azul, ascensorista de elevador, continuo, vendedor de loja, ajudante de linha de montagem, auxiliar de inspeção, auxiliar de laboratório, operador de máquina de costura, desenhista letrista até conhecer o teatro. Então me tornei cenógrafo, depois ator e em seguida diretor. Sempre achei que minha experiência na vida profissional, atrelada aos anos que passei praticando judô, luta corporal e filosofia, contribuíam para uma melhor expressão artística.
Desde quando me lembro, meus pais sempre foram muito doentes e eu nunca pude abandoná-los para seguir qualquer caminho que me afastasse do interior de São Paulo. Em 1995 meu pai morreu. Quase um ano depois, no dia 15 de novembro de 1996, no mesmo dia em que eu completei trinta anos de idade, morreu minha mãe. Esse fato triste foi o que me possibilitou retomar meus estudos, me preparei, e em 2001 eu ingressei na universidade já com 34 anos, mas plenamente consciente do que eu queria: estudar as artes e principalmente o teatro.
Agora, dez, onze anos depois, já há mais de quatro anos, sou professor em uma universidade respeitada. Considero-me um bom professor, não o melhor, mas um professor que procura seguir os exemplos dos melhores que tive. Profissionalmente estou realizado, tenho um bom emprego, moro perto da praia, em uma cidade linda. No entanto não foi isso que eu sempre procurei. Minha busca sempre foi pela relação humana, pelo encontro de pessoas com o mesmo interesse, com os gostos parecidos, sem preconceitos e com muito respeito uns pelos outros, se expressando com inteligência e, sobretudo sensibilidade. É nisso que eu sempre depositei minhas esperanças com o teatro.
Tudo isso foi dito para lembrar a todos vocês que eu não sou um professor, isso é só uma condição. O que sou é um ser humano que erra e acerta, como qualquer outro, mas que principalmente, sente.
Às vezes sofro muito com pequenas coisas que vocês fazem. Eu sei que, por parte de vocês, não há nenhuma intenção em me machucar. Nem mesmo percebem que o vaso que jogaram do terceiro andar vai cair na minha cabeça. Eu sei que minhas reações muitas vezes não são boas. Eu adoro cachorros e sem querer ajo como eles. Amo incondicionalmente, gosto de tudo que vem de quem eu amo, estou sempre disposto a ir junto, pode me chutar que eu não vou deixar de amar, sempre vou achar vocês lindos, não importa se gordos demais, magros demais, vestidos de uma maneira ou de outra, com o cabelo sujo ou escovado. Porém quando eu sinto dor, eu posso morder.
Ultimamente muita coisa tem me feito sentir dor. Sei que a maioria de vocês não sabem do que eu estou falando, mas muita coisa tem me lembrado a minha insignificância, muita coisa tem me feito pensar que tudo que fiz até hoje, tudo que acreditei não levaram a nada significante. Eu não me tornei uma pessoa melhor que o garoto que catava merda de cavalos e vendia como esterco, porque o que realmente consegui foi só o que eu nunca procurei.
Acabei de ler uma sábia citação de Cora Coralina: "Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma".
O crescimento que obtive com os golpes duros da vida não me satisfez. Preciso de toques suaves em minha alma, preciso de vocês. E perdoem-me pelas mordidas.


João Pessoa, 21 de outubro de 2011


Osvaldo


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